PARTIR

Elves and Fairies: A Midsummer Night's Dream (oil on canvas) - Naish, John George (1824-1905)

Quando alguém parte, tem de deitar

ao mar o chapéu com as conchas

apanhadas ao longo do Verão,

e ir-se com o cabelo ao vento,

tem de lançar ao mar

a mesa que pôs para o seu amor,

tem de deitar ao mar

o resto do vinho que ficou no copo,

tem de dar o seu pão aos peixes

e misturar no mar uma gota de sangue,

tem de espetar bem a faca nas ondas

e afundar o sapato

coração, âncora e cruz

e ir-se com o cabelo ao vento!

Depois, regressará.

Quando?

Não perguntes.

- Ingeborg Bachmann -

Caminho

The Great Day of His Wrath(oil on canvas) - Martin, John (1789-1854)

Caminho sem pés e sem sonhos
só com a respiração e a cadência
da muda passagem dos sopros
caminho como um remo que se afunda.

os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes
para que a elevação e a profundidade se conjuguem.
avanço sem jugo e ando longe

de caminhar sobre as águas do céu.

- Daniel Faria -

Prada Fallen Shadows






Prada Fallen Shadows - mytrace

David Oistrakh, Debussy - Clair de lune



Porque há dias em que a melancolia se abate sobre cada um de nós...

Secretamente

Rosy Reverie (oil on canvas) -Lambdin, George Cochran (1830-1896)

No te amo como si fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.

Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.

Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,

sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

- Pablo Neruda -

Todos os dias

Under the Seaside Tree (gouache) - Bricher, Alfred Thompson (1837-1908)

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.

Antigamente acordava sem sensação nenhuma: acordava.

Tenho alegria e pena porque perco o que sonho.

E posso estar na realidade onde está o que sonho.

Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.

Não sei o que hei de ser comigo sozinho.

Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.



- Álvaro de Campos -

David Bowie - Thursdays child



Não sou de ídolos, seria incapaz de ficar horas ao relento para comprar um bilhete para um concerto de um qualquer artista musical (na minha modesta opinião, tais actos/atitudes não passam de criancices... - até ao fim da adolescência, ainda se percebe um bocadinho, mas após entrar na idade adulta...sinceramente, não percebo...).
No entanto, tenho os meus grupos, cantores de música preferidos. David Bowie é, sem sombra de dúvida, um dos meus cantores preferidos. E esta música, embora não seja a minha predilecta, é uma das que não me canso de ouvir.
Quem gosta, gosta, quem não gosta...paciência!

Vigílias

Moment Before the Kiss - Rabi Khan

pernoito no interior do corpo desarrumado
o medo invade o penumbroso corredor
descubro uma cintilação de água no estuque
uma cicatriz de cristais e de bolor abre-se
porosa ao contacto dos dedos indica
que não haverá esquecimento ou brisa
para limpar o tempo imemorial da casa

deste simulado sono ficou-lhe o amargo iodo
as madeiras encerradas cobertas de poeira
ervas secas à chuva molhos de rosmaninho
junquilhos bocas-de-lobo silenas trevo
mas nenhuma fuga foi recomeçada
a infância permanece triste onde a abandonei
quase não vive
no entanto ouço-a respirar dentro de mim

agora tudo é muito diferente
recomeço a viver a partir do vazio
da treva dos dias em silêncio
por entre a pele e um feixe de magníficas veias
sinto o pássaro da velhice arrastando as asas
onde desenvolve o calmo voo lunar

enumero cuidadosamente os objectos classifico-os
por tamanhos por texturas por funções
quero deixar tudo arrumado quando a loucura vier
da extremidade aguçada do corpo alado
e o resto for devassado por um estilhaço de asa

então a vida abater-se-á sobre a folha de papel
onde verso a verso
me ilumino e me desgasto

- Al Berto, in O Medo -

Air Supply - GOODBYE

A hegemonia da sombra

Song of the Angels (oil on canvas) - Bouguereau, Adolphe-William (1825-1905)

Trespassa a hegemonia da sombra
e descobrirás o ocluso
coração da luz.
O negro é apenas a cor
onde todas as cores repousam.

Não interrogues o dia
sobre a miríade de tons em que ele se imprime.
Procura a penumbra
e ela responder-te-á
com todo o contraste que lhe está negado.

- Jorge Melícias -

Houve um poema

L' Amour Blesse (oil on canvas) Lefebvre, Jules Joseph (1836 - 1911)

Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
Parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
E intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro, e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma ténue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.

-Cecília Meireles -

Adiamento

Theseus Contemplating the Dead Sow Phaea - PACETTI, Vincenzo (1746 - 1820)

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

- Álvaro de Campos -

Pergunta-me

Woman with Parasol - (Maillol, Aristide (French, 1861-1944)

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

- Mia Couto -

Famous Blue Raincoat - Leonard Cohen

Permita que eu feche os meus olhos

Orpheus, oil on canvas - Delville, Jean (Belgian, 1867-1953)

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

- Cecília Meireles -

Houve um poema

The Pink Dress, oil on canvas - Bazille, Frédéric (French, 1841-1870)

Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
Parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
E intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro, e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma ténue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.

- Cecília Meireles -

Como Te Amo?

Adriadne on the Island of Naxos, oil on canvas - Watts, George Frederick (English, 1817-1904)

Como te amo? Deixa-me contar os modos.

Amo-te ao mais fundo, amplo e alto

Minh'alma pode alcançar, além dos limites visíveis

E fins do Ser e da Graça ideal.


Amo-te até ao nível das mais diárias

E ínfimas necessidades, à luz do sol e das velas.

Amo-te com liberdade, como os homens buscam por Justiça;

Amo-te com pureza, como voltam das Preces.


Amo-te com a paixão posta em uso

Nas minhas velhas mágoas e com a fé da minha infância.

Amo-te com um amor que me parecia perdido


Com meus Santos perdidos - amo-te com o fôlego,

Sorrisos, lágrimas, de toda a minha vida! - e, se Deus quiser,

Amar-te-ei melhor depois da morte.


- Elizabeth Barrett Browning -

O VENTO NA ILHA

Sylvan Dell (Reverie) oil on canvas - Miller, Richard Emil (American, 1875-1943)

O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.

Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos
por esta noite apenas
descansarei, meu amor.

- Pablo Neruda -

Simon's Cat 'TV Dinner'

Canção desesperada

The Wait - oil on canvas - Béraud, Jean (French, 1848-1935)

Aparece tua recordação na noite em que estou.
O rio reúne com o mar seu lamento obstinado.

Abandonado como o impulso das auroras.
É a hora de partir, oh abandonado!

Sobre meu coração chovem frias corolas.
Oh sentina de escombros, feroz cova de náufragos!

Em ti se ajuntaram as guerras e os vôos.
De ti alcançaram as asas dos pássaros o canto.

Tudo que o bebeste, como a distância.
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!

Era a alegre hora do assalto e o beijo.
A hora do estupor que ardia como um faro.

Ansiedade de piloto, fúria de um búzio cego
turgida embriaguez de amor, Tudo em ti foi naufrágio!

Na infância de névoa minha alma alada e ferida.
Descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!

Tu sentis-te a dor e te agarraste ao desejo.
Caiu-te uma tristeza, Tudo em ti foi naufrágio!

Fiz retroceder a muralha de sombra.
andei mais adiante do desejo e do acto.

Oh carne, carne minha, mulher que amei e perdi,
e em ti nesta hora húmida, evoco e faço o canto.

Como um vaso guardando a infinita ternura,
e o infinito olvido te quebrou como a um vaso.

Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher do amor, me acolheram os seus braços.

Era a sede e a fome, e tu foste a fruta.
Era o duelo e as ruínas, e tu foste o milagre.

Ah mulher, não sei como pudeste conter-me
na terra de tua alma, e na cruz de teus braços!

Meu desejo por ti foi o mais terrível e curto,
o mais revolto e ébrio, o mais tirante e ávido.

Cemitério de beijos,existe fogo em tuas tumbas,
e os racimos ainda ardem picotados pelos pássaros.

Oh a boca mordida, oh os beijados membros,
oh os famintos dentes, oh os corpos traçados.

Oh a cópula louca da esperança e esforço
em que nos ajuntamos e nos desesperamos.

E a ternura, leve como a água e a farinha.
E a palavra apenas começada nos lábios.

Esse foi meu destino e nele navegou o meu anseio,
e nele caiu meu anseio, Tudo em ti foi naufrágio!

Oh imundice dos escombros, que em ti tudo caía,
que a dor não exprimia, que ondas não te afogaram.

De tombo em tombo inda chamas-te e cantas-te
de pé como um marinheiro na proa de um barco.

Ainda floriste em cantos, ainda rompeste nas
correntes.
Oh sentina dos escombros, poço aberto e amargo.

Pálido búzio cego, desventurado desgraçado,
descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!

É a hora de partir, a dura e fria hora
que a noite sujeita a todos seus horários.

O cinturão ruidoso do mar da cidade da costa.
Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros.

Abandonado como o impulso das auroras.
Somente a sombra tremula se retorce em minhas mãos.

Ah mais além de tudo. Ah mais além de tudo.
É a hora de partir. Oh abandonado!

- Pablo Neruda -
The Death of Chatterton - Wallis, Henry (1830-1916)

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


-Alberto Caeiro-

BLUE

Love will tear us apart

Vem ver-me antes que eu morra de amor

Woman in White, pastel on paper - Jones, Francis Coates (1857-1932)

Vem ver-me antes que eu morra de amor - o sangue
arrefece dentro do meu corpo e as rosas desbotam
nas minhas mãos. Da minha cama ouço a tempestade
nos continentes; e já quis partir, deixar que o vento
levasse a minha mala por aí; fiz planos de correr mundo
para te esquecer - mas nunca abria a porta.

Vem ver-me enquanto não morro, mas vem de noite -
a luz sublinha a agonia de um rosto e quero que me recordes
como eu podia ter sido. Da minha cama vejo o sol
tatuar as costas do meu país; e já sonhei que o perseguia,
que desenhava o teu nome no veludo da areia e sentia
a vida a pulsar nessa palavra como um músculo tenso
escondido sob a pele - mas depois acordava e não ia.

Vem ver-me antes que morra, mas vem depressa -
os livros resvalam-me do colo e o bolor avança
sobre a roupa. Da minha cama sinto o perfume das folhas
tombadas nos caminhos. O outono chegou. E o quarto
ficou tão frio de repente. E tu sem vires. Agora
quero deitar-me no tapete de musgo do jardim e ouvir
bater o coração da terra no meu peito. Os vermes
alimentam-se dos sonhos de quem morre. E tu não vens.

- Maria do Rosário Pedreira -
"Quão pacífica seria a vida sem o amor. Quão segura. Quão tranquila. E quão monótona."

- Umberto Eco -
Lady in an Evening Dress - Perry, Lilla Calbot (1848-1933)


Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.

Não te perdi
No que sou eu,
Só nunca mais, ó flor, te vi
Onde não sou senão a terra e o céu.

- Fernando Pessoa -
The Bluidie Tryst - Paton, Sir Joseph Noel (1824-1901)

Pudesse eu personificar e aflorar agora
O que me é mais profundo, pudesse eu liberar
Meus pensamentos em expressão, e assim lançar
Alma, coração, mente, paixões, sentimentos, fortes ou fracos,
Tudo o que teria buscado e tudo o que busco,
Encerro, sei, sinto, e ainda respiro, numa só palavra,
E a palavra fosse luz, eu falaria.
Mas, como é, vivo e morro inaudível,
Como um pensamento mudo, embainhando-o como uma espada

- Lord Byron -

Se eu pudesse não ter o ser que tenho

Isabella and the Pot of Basil - Alexander, John White (1865-1915)

Se eu pudesse não ter o ser que tenho
Seria feliz aqui...
Que grande sonho
Ser quem não sabe quem é e sorri!

Mas eu sou estranho
Se em sonho me vi
Tal qual no tamanho
O que nunca vi...

-Fernando Pessoa -

Soneto 134

Cupid Chastised - Manfredi, Bartolomeo (approx. 1580-1621)

A paz não tenho, e sem ter motivo vou à guerra:
e temo, e espero, e ardo em fogo, e sou de gelo,
e quero subir ao céu e caio em terra,
e nada abraço e o universo ando a contê-lo.


Tal é minha prisão, que não se abre, e não se encerra:
prende-me o coração, mas sem prendê-lo,
não me dá vida ou morte, Amor, e erra
minha alma sob o enorme pesadelo.


Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
e quero morrer, e a morte me apavora.


Nutrindo-me da dor, chorando eu rio:
igualmente não me importam a morte e vida:
eis o estado em que me encontro, Senhora, por vós.

- Francesco Petrarca -
Melancholia - Malczewski, Jacek (1858-1929)

E se a morte te esquecesse?

Ficarias aí deitado, o olhar fixo noutros olhares. Silencioso, ou a contar histórias de barcos, de oceanos e de mares, de peixes e de turbulentos rios - até que a luz poeirenta do mundo se extinguisse, para sempre.

Asfixiado pelas areias da praia onde a vaga fosforosa te abandonou.
Por que é que eu caminho no fundo deste tempo escuro e já não existo?

Mas nada acontece, porque a tua morte me tolheu. Não se ouve um fio de voz.
Resta o teu corpo deitado sob a respiração febril de quem se deu ao trabalho piedoso da vigília.

É através da memória dos outros que recordas o rosto que tiveste.

O que quero dizer é que já não sinto nada quando te olho. O rosto está morto e amortalhou o meu.
Outrora, quando navegavas, escrevia-te para contar o que não tinha sentido na viagem. Hoje, penso em ti como se fosses uma música da alma.
O teu olhar de morto e o meu são cúmplices, e ainda não deu hora nenhuma. Temos tempo de sobra.

Vou ressuscitar-te, assim poderás contar-me em sussurro o que fomos.
Eu poderei contar-te o que esqueci. Esta canção quase perdida na casa do nosso passado.

O sonho tem manchas de frutos sorvados no coração. Tem palpitações de sangue e de ilhas, de mares que se espreguiçam para dentro das cidades. E estas sobrevivem envoltas num véu de neblinas. Vêmo-las tremeluzir no turvo crepúsculo das praias.

Que ponte levadiça trará de novo o desejo esquecido nos postos longínquos?

- Al Berto, in Livro Décimo Quarto - Prosa Poética -

Poetas

Female Nude - Amedeo Modigliani (1884 - 1920)

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!

- Florbela Espanca -

Inteira

Sleeping Cupid - Caravaggio (1571 –1610)

Inteira me deixo aqui,
inteira, posto que ausente,
- neste corpo que nasci
fez-me a vida ou minha mente?

De ninguém sobrevivi.
Ah! vida, me fiz consciente,
mestiça de mim, de ti ,
em morte - quase semente.

E em terra desejo estar
e sempre, enquanto me alerto
nas vozes de vento e mar.

Sem jamais me resolver
a conter-me num deserto
ou saciar-me de morrer.

- Maria Ângela Alvim -

In The Arms Of The Angel

Le Poème de l'âme - L'Échelle d'or - Anne-François-Louis Janmot (1814 - 1892)

Ama-me pelo amor do amor somente.
Não digas nunca: “Amo o sorriso dela,
Seu rosto, ou o jeito de dizer aquela
Palavra murmurada de repente

Que faz meu pensamento confidente
Do seu, e torna a tarde ainda mais bela”.
Tudo pode mudar, meu bem, cautela,
Pois pode ser que o amor de nós se ausente.

Tampouco sirva o amor que assim me dás
Pra enxugar-te o pranto por piedade:
Quem prova teu consolo é bem capaz

De, sem chorar, perder-te por vaidade.
Mas se amas por amor, conseguirás
Amar sem fim, por toda a eternidade

- Elizabeth Barrett Browning -

Espera

Ophelia - Cabanel, Alexandre (1823 - 1889)

Aqui onde o exílio
dói como agulhas fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

- Eugénio de Andrade -

Sweetest Embrace

SAUDADES

A desvantagem de viver nas "grandes cidades" é não poder contemplar algumas das maravilhas que a natureza nos oferece. Andorinhas nos beirais...esta foi minha vizinha durante o tempo quente, na minha terra. Que saudades de as ver, de as observar, de ser visitada, sem falha, pelas famílias de andorinhas que a casa dos meus Pais acolhe anualmente. Até do chilrear matinal junto à janela do meu quarto, que por vezes achava irritante, tenho saudades...

Silêncio insurrecto

Dahlias - Storrs, Frances Hudson (1860-1945)

A poesia não é um dialecto
para bocas irreais.
Nem o suor concreto
das palavras banais.
É talvez o sussurro daquele insecto
De que ninguém sabe os sinais.
Silêncio insurrecto.

- José Gomes Ferreira -

Utopia

Parasol - Marlow, Lucy Drake (American, 1890-1978)

O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.
Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.

- António Gedeão -
Flora - Abbema Louise (1858 - 1927 France)


"Não é difícil alimentar pensamentos admiráveis
quando as estrelas estão presentes."

- Marguerite Yourcenar -

Eterno

Hot Chocolate - Madrazo y Garreta, Raimundo de (1841 - 1920 Spain)

"e eterno é tudo aquilo que dura uma fracção de segundo,
mas com tamanha intensidade,
que se petrifica,
e nenhuma força jamais o resgata"

- Carlos Drummond de Andrade -

Leonard Cohen - Hey, thats no way to say goodbye

O MEU DESEJO

Confidence - Seignac, Guillaume 1870 - 1924

Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua...
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!

Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus...
Minha boca tem fome só da tua!
Meus olhos têm sede só dos teus!

Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo...

Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, Amor, devagarinho,
Até a Morte me levar consigo ...


- Florbela Espanca -

Olha-me

Flora - Alma-Tadema,Sir Lawrence 1836 - 1912

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

- Hilda Hilst -
The Gentle Angler - Jones, Francis Coates 1857 - 1932


Quero-te para além das coisas justas

e dos dias cheios de grandeza.

A dor não tem significado quando ma roubam as árvores,

as ágatas, as águas.

O meu sol vem de dentro do teu corpo,

a tua voz respira a minha voz.

De quem são os ídolos, as culpas, as vírgulas

dos beijos? Discuto esta noite

apenas o pudor de preferir-te

entre as coisas vivas.

- Joaquim Pessoa -
Margaret Strong - Benson, Frank Weston 1862 - 1951

No ponto onde o silêncio e a solidão
Se cruzam com a noite e com o frio,
Esperei como quem espera em vão,
Tão nítido e preciso era o vazio.


- Sophia de Mello Breyner Andresen -

Soneto de saudade

In Poppyland - Adams , John Ottis 1851 - 1927


Em minh’alma chove tanto
que não há como esconder
entre os olhos tanto pranto
que meu pranto faz chover...

Por encanto ou desencanto
em minh’alma é anoitecer
com saudade do teu canto
no encanto do amanhecer...

Num jardim sem claridade
mora em mim tua saudade
com o meu modo de viver...

E a saudade não consegue
esquecer que me persegue
para eu nunca te esquecer...

- A. Estebanez -

Amor

Destiny - Frederick Hart

Fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. O amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.


- José Luís Peixoto -

UTOPIA

Girl Playing Solitaire - Bega, Cornelis (1632-1664)


Se as coisas são inatingíveis… ora!
não é motivo para não quere-las…
Que tristes os caminhos,
se não fora a mágica presença das estrelas!


- Mario Quintana -

...



Get down, get down, little Henry Lee
And stay all night with me
You won't find a girl in this damn world
That will compare with me
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
I can't get down and I won't get down
And stay all night with thee
For the girl I have in that merry green land
I love far better than thee
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
She leaned herself against a fence
Just for a kiss or two
And with a little pen-knife held in her hand
She plugged him through and through
And the wind did roar and the wind did moan
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
Come take him by his lilly-white hands
Come take him by his feet
And throw him in this deep deep well
Which is more than one hundred feet
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
Lie there, lie there, little Henry Lee
Till the flesh drops from your bones
For the girl you have in that merry green land
Can wait forever for you to come home
And the wind did howl and the wind did moan
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee

AS MÃOS

A Passing Storm - Tissot, James Jacques Joseph (1836 - 1902)

Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sequer são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono.

- Eugénio de Andrade -
On The Lookout - Kaemmerer, Frederick Hendrik (1839 - 1902)

Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - perguntar-me-ão
- Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação …
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra … )
Quero solidão.

- Cecilia Meirelles -

Antony singing If It Be Your Will

Palavras

Claude Monet - Poppy Field Near Giverny


Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.

Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.

Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...

Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
-que são minhas, só minhas pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.

Pedro Támen

Canção do Amor-Perfeito

Woman at Her Toillette - Ignace Henri Theodore (1836 - 1904 France)


O tempo seca a beleza.
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.

O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.

O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.

Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.

- Cecília Meireles -

I Cried For You - Katie Melua


Exaltation - Frederick Hart (1943-1999)

You're beautiful so silently
It lies beneath a shade of blue
It struck me so violently
When I looked at you

But others pass, the never pause,
To feel that magic in your hand
To me you're like a wild rose
They never understand why

I cried for you
When the sky cried for you
And when you went
I became a hopeless drifter
But this life was not for you
Though I learned from you,
That beauty need only be a whisper

I'll cross the sea for a different world,
With your treasure, a secret for me to hold

In many years they may forget
This love of ours or that we met,
They may not know
how much you meant to me.

I cried for you
And the sky cried for you,
And when you went
I became a hopeless drifter.
But this life was not for you,
Though I learned from you,
That beauty need only be a whisper

Without you now I see,
How fragile the world can be
And I know you've gone away
But in my heart you'll always stay.

I cried for you
And the sky cried for you,
And when you went
I became a hopeless drifter.
But this life was not for you,
Though I learned from you,
That beauty need only be a whisper
That beauty need only be a whisper

Para quê um novo acordo ortográfico?


Não vejo quais as vantagens que isso nos possa trazer. Escrevo português e continuarei a escrever o português de acordo com o que me foi ensinado. Não vou mudar, independentemente de esse “novo acordo” vir ou a não a ser assinado.
A verdade é que, um brasileiro lê perfeitamente a ortografia portuguesa (o dito português europeu – ora essa, português é de Portugal e não do Brasil) e o vice-versa.
Não que esteja em desacordo com algumas alterações, nomeadamente a introdução das letras “k”, “w” e “y” no nosso alfabeto. É natural a evolução linguística, mas não nos termos que nos é proposto. Na verdade, algumas alterações são de todo aberrantes.
Mais me parece que o que nos estão a propor é uma imposição da língua brasileira…mais uma vez as imposições de quem nos “governa” – ora…afinal o português nasceu em Portugal ou no Brasil?!
DISPENSO ESTE ACORDO.
Sou portuguesa, não deveria ter uma palavra a dizer? (Eu, como quem diz os portugueses em geral). Mas já nos vamos habituando (ou abituando (ridículo)) aos mandos e desmandos dos nossos governantes, porque haveria agora de haver uma excepção?
Vejamos as principais alterações em análise apresentadas no Banco de Dados da Língua Portuguesa – FFCLH USP (2007):
- As paroxítonas terminadas em “o” duplo, por exemplo, não terão mais acento circunflexo. Assim, ao invés de “abençôo”, “enjôo” ou “vôo”, passar-se-á a escrever “abençoo”, “enjoo” e “voo”;
- Mudam-se as normas para o uso do hífen no meio das palavras; O hífen vai desaparecer do meio de palavras, com excepção daquelas em que o prefixo termina em “R”, como é o caso de “hiper-”, “inter-”, “super-“. Desta forma todas as palavras em que se usava o hífen e cujo prefixo não termina em “R” passarão a escrever-se unidas, como por exemplo “autoestrada”, “extraescolar”, entre outras.
- Não se usará mais o acento circunflexo na terceira pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos “CRER”, “DAR”, “LER”, “VER”e seus decorrentes, passando, assim, a escrever-se “CREEM”, “DEEM” e “VEEM” (ridículo a meu ver, ora pronunciem correctamente esta nova forma de escrever);
- Criação de alguns casos de dupla grafia para fazer diferenciação, como o uso do acento agudo na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito dos verbos da primeira conjugação, tais como " louvámos " em oposição a "louvamos" e " amámos" em oposição a "amamos";
- O alfabeto deixa de ter 23 letras para ter 26, com a incorporação de "k", "w" e "y";
- O acento deixará de ser usado para diferenciar "pára" (verbo) de "para" (preposição) – (o quê?????!!!!!!!!!!!! - imaginem alguém dizer a outrem “para, para” e o outrem “para o quê?, e o alguém “não é para, é para” – alguém percebeu?);
- Desaparecem da língua escrita o " c " e o "p " nas palavras onde ele não é pronunciado, como em "acção", "direcção", "acto", "adopção" e "baptismo". O certo será ação, direção, ato, adoção e batismo;
- Também em Portugal elimina-se o " h " inicial de algumas palavras, como
em "húmido", que passará a ser grafado como no Brasil: " úmido"- eis mais uma que nos impingem os brasileiros (atenção, não tenho nada contra o Brasil e seus habitantes, mas bolas, o PORTUGUÊS E NOSSO, É DE PORTUGAL); - já agora eliminem também o “H” do (h)á….
Enfim, alguns exemplos daquilo que nos querem impor….

Katie Melua - 'If You Were A Sailboat'

TU

Mártonhegy Road - Ligeti, Antal (Hungarian, 1823-1890)


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.


- Pablo Neruda -
Moon Rising over the Sea - Caspar David Friedrich (1774-1840)


Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las.
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!

- Mário Quintana -

AMO-TE

Douleur d'amour - William Bouguereau



Ah o amor ... que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê...

-Carlos Drumond de Andrade-

PENSO EM TI COM TAMANHA TERNURA

Reverie - O'Meara Frank (Irish, 1853-88)


Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluír de tinta espessa e farta
e o passá-la em finíssima aguada
com um pincel de marta.

Um pesar grãos de nada em mínima balança
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir,

Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas como o pensar te pudesses partir.

António Gedeão ( Poemas escolhidos)

Se cada dia cai

Adonis Led - Albani, Francesco (Italian, 1578-1660)


Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.


- Pablo Neruda -

Azure Ray - November

VELHA CANÇÃO

Paris Street Scene - Lungren, Fernand Harvey (American, approx. 1857-1932)

Não penses que não te espero
na aparente indiferença.
Esta fingida descrença
só disfarça desespero.

Se a falsa máscara fria
pudesse quebrar esta ânsia
saberias que a constância
é meu pão de cada dia.

Um pudor duro e severo
esperar desesperado
é o que nutre este pecado
de querer como te quero.

Destarte - tímido louco -
não ouso sondar tua alma
e nesta insofrida calma
dia a dia morro um pouco.

- Menotti del Picchia -

The Tree of crows

The Tree of Crows - Caspar David Friedrich (1774-1840)

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