The Death of Chatterton - Wallis, Henry (1830-1916)

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


-Alberto Caeiro-

BLUE

Love will tear us apart

Vem ver-me antes que eu morra de amor

Woman in White, pastel on paper - Jones, Francis Coates (1857-1932)

Vem ver-me antes que eu morra de amor - o sangue
arrefece dentro do meu corpo e as rosas desbotam
nas minhas mãos. Da minha cama ouço a tempestade
nos continentes; e já quis partir, deixar que o vento
levasse a minha mala por aí; fiz planos de correr mundo
para te esquecer - mas nunca abria a porta.

Vem ver-me enquanto não morro, mas vem de noite -
a luz sublinha a agonia de um rosto e quero que me recordes
como eu podia ter sido. Da minha cama vejo o sol
tatuar as costas do meu país; e já sonhei que o perseguia,
que desenhava o teu nome no veludo da areia e sentia
a vida a pulsar nessa palavra como um músculo tenso
escondido sob a pele - mas depois acordava e não ia.

Vem ver-me antes que morra, mas vem depressa -
os livros resvalam-me do colo e o bolor avança
sobre a roupa. Da minha cama sinto o perfume das folhas
tombadas nos caminhos. O outono chegou. E o quarto
ficou tão frio de repente. E tu sem vires. Agora
quero deitar-me no tapete de musgo do jardim e ouvir
bater o coração da terra no meu peito. Os vermes
alimentam-se dos sonhos de quem morre. E tu não vens.

- Maria do Rosário Pedreira -
"Quão pacífica seria a vida sem o amor. Quão segura. Quão tranquila. E quão monótona."

- Umberto Eco -
Lady in an Evening Dress - Perry, Lilla Calbot (1848-1933)


Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.

Não te perdi
No que sou eu,
Só nunca mais, ó flor, te vi
Onde não sou senão a terra e o céu.

- Fernando Pessoa -
The Bluidie Tryst - Paton, Sir Joseph Noel (1824-1901)

Pudesse eu personificar e aflorar agora
O que me é mais profundo, pudesse eu liberar
Meus pensamentos em expressão, e assim lançar
Alma, coração, mente, paixões, sentimentos, fortes ou fracos,
Tudo o que teria buscado e tudo o que busco,
Encerro, sei, sinto, e ainda respiro, numa só palavra,
E a palavra fosse luz, eu falaria.
Mas, como é, vivo e morro inaudível,
Como um pensamento mudo, embainhando-o como uma espada

- Lord Byron -

Se eu pudesse não ter o ser que tenho

Isabella and the Pot of Basil - Alexander, John White (1865-1915)

Se eu pudesse não ter o ser que tenho
Seria feliz aqui...
Que grande sonho
Ser quem não sabe quem é e sorri!

Mas eu sou estranho
Se em sonho me vi
Tal qual no tamanho
O que nunca vi...

-Fernando Pessoa -

Soneto 134

Cupid Chastised - Manfredi, Bartolomeo (approx. 1580-1621)

A paz não tenho, e sem ter motivo vou à guerra:
e temo, e espero, e ardo em fogo, e sou de gelo,
e quero subir ao céu e caio em terra,
e nada abraço e o universo ando a contê-lo.


Tal é minha prisão, que não se abre, e não se encerra:
prende-me o coração, mas sem prendê-lo,
não me dá vida ou morte, Amor, e erra
minha alma sob o enorme pesadelo.


Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
e quero morrer, e a morte me apavora.


Nutrindo-me da dor, chorando eu rio:
igualmente não me importam a morte e vida:
eis o estado em que me encontro, Senhora, por vós.

- Francesco Petrarca -
Melancholia - Malczewski, Jacek (1858-1929)

E se a morte te esquecesse?

Ficarias aí deitado, o olhar fixo noutros olhares. Silencioso, ou a contar histórias de barcos, de oceanos e de mares, de peixes e de turbulentos rios - até que a luz poeirenta do mundo se extinguisse, para sempre.

Asfixiado pelas areias da praia onde a vaga fosforosa te abandonou.
Por que é que eu caminho no fundo deste tempo escuro e já não existo?

Mas nada acontece, porque a tua morte me tolheu. Não se ouve um fio de voz.
Resta o teu corpo deitado sob a respiração febril de quem se deu ao trabalho piedoso da vigília.

É através da memória dos outros que recordas o rosto que tiveste.

O que quero dizer é que já não sinto nada quando te olho. O rosto está morto e amortalhou o meu.
Outrora, quando navegavas, escrevia-te para contar o que não tinha sentido na viagem. Hoje, penso em ti como se fosses uma música da alma.
O teu olhar de morto e o meu são cúmplices, e ainda não deu hora nenhuma. Temos tempo de sobra.

Vou ressuscitar-te, assim poderás contar-me em sussurro o que fomos.
Eu poderei contar-te o que esqueci. Esta canção quase perdida na casa do nosso passado.

O sonho tem manchas de frutos sorvados no coração. Tem palpitações de sangue e de ilhas, de mares que se espreguiçam para dentro das cidades. E estas sobrevivem envoltas num véu de neblinas. Vêmo-las tremeluzir no turvo crepúsculo das praias.

Que ponte levadiça trará de novo o desejo esquecido nos postos longínquos?

- Al Berto, in Livro Décimo Quarto - Prosa Poética -

Poetas

Female Nude - Amedeo Modigliani (1884 - 1920)

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!

- Florbela Espanca -

Inteira

Sleeping Cupid - Caravaggio (1571 –1610)

Inteira me deixo aqui,
inteira, posto que ausente,
- neste corpo que nasci
fez-me a vida ou minha mente?

De ninguém sobrevivi.
Ah! vida, me fiz consciente,
mestiça de mim, de ti ,
em morte - quase semente.

E em terra desejo estar
e sempre, enquanto me alerto
nas vozes de vento e mar.

Sem jamais me resolver
a conter-me num deserto
ou saciar-me de morrer.

- Maria Ângela Alvim -

In The Arms Of The Angel

Le Poème de l'âme - L'Échelle d'or - Anne-François-Louis Janmot (1814 - 1892)

Ama-me pelo amor do amor somente.
Não digas nunca: “Amo o sorriso dela,
Seu rosto, ou o jeito de dizer aquela
Palavra murmurada de repente

Que faz meu pensamento confidente
Do seu, e torna a tarde ainda mais bela”.
Tudo pode mudar, meu bem, cautela,
Pois pode ser que o amor de nós se ausente.

Tampouco sirva o amor que assim me dás
Pra enxugar-te o pranto por piedade:
Quem prova teu consolo é bem capaz

De, sem chorar, perder-te por vaidade.
Mas se amas por amor, conseguirás
Amar sem fim, por toda a eternidade

- Elizabeth Barrett Browning -

Espera

Ophelia - Cabanel, Alexandre (1823 - 1889)

Aqui onde o exílio
dói como agulhas fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

- Eugénio de Andrade -

Sweetest Embrace

SAUDADES

A desvantagem de viver nas "grandes cidades" é não poder contemplar algumas das maravilhas que a natureza nos oferece. Andorinhas nos beirais...esta foi minha vizinha durante o tempo quente, na minha terra. Que saudades de as ver, de as observar, de ser visitada, sem falha, pelas famílias de andorinhas que a casa dos meus Pais acolhe anualmente. Até do chilrear matinal junto à janela do meu quarto, que por vezes achava irritante, tenho saudades...

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