Rivers of Love | Lisa Ekdahl

HARD FEELINGS

Story Book - Bouguereau, Adolphe-William (1825-1905)


Oceans,
emotions,
ships, ships,
and other relationships,
keep us going
through the fog
and wandering mist

What is it
that I missed?


- Paulo Leminski -

Tea in the Garden - Autumn (Frederick Hendrik - 1839-1902)

Quando o barco passa na água
Faz as vezes de ilusão...
O que é esta dor sem mágoa
Que há um pouco em meu coração?

Quando o barco vai no rio
A gente põe-se a pensar...
Mas nem se pensa a frio,
Porque pensar é sonhar.

Quando o barco vai da vista
Há uma tristeza que vem.
Quem quer que a vida exista?
Meus sonhos não são ninguém...

- Fernando Pessoa -
L'Idéal - Le Poème de l'âme (Janmot Anne Francois Louis)


Eu não sou eu nem sou o outro
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte do tédio
Que vai de mim para o outro.

-Mário de Sá Carneiro -

O Amor é Uma Companhia

First Comunion (Janmot, Anne Francois Louis 1814 - 1892)

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa

E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.

Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

- Alberto Caeiro -

Heaven

Meditation - Bouguereau, Adolphe-William (1825-1905)


To see a World in a Grain of Sand
And a Heaven in a Wild Flower,
Hold Infinity in the palm of your hand
And Eternity in an hour.

- William Blake -

PARTIR

Elves and Fairies: A Midsummer Night's Dream (oil on canvas) - Naish, John George (1824-1905)

Quando alguém parte, tem de deitar

ao mar o chapéu com as conchas

apanhadas ao longo do Verão,

e ir-se com o cabelo ao vento,

tem de lançar ao mar

a mesa que pôs para o seu amor,

tem de deitar ao mar

o resto do vinho que ficou no copo,

tem de dar o seu pão aos peixes

e misturar no mar uma gota de sangue,

tem de espetar bem a faca nas ondas

e afundar o sapato

coração, âncora e cruz

e ir-se com o cabelo ao vento!

Depois, regressará.

Quando?

Não perguntes.

- Ingeborg Bachmann -

Caminho

The Great Day of His Wrath(oil on canvas) - Martin, John (1789-1854)

Caminho sem pés e sem sonhos
só com a respiração e a cadência
da muda passagem dos sopros
caminho como um remo que se afunda.

os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes
para que a elevação e a profundidade se conjuguem.
avanço sem jugo e ando longe

de caminhar sobre as águas do céu.

- Daniel Faria -

Prada Fallen Shadows






Prada Fallen Shadows - mytrace

David Oistrakh, Debussy - Clair de lune



Porque há dias em que a melancolia se abate sobre cada um de nós...

Secretamente

Rosy Reverie (oil on canvas) -Lambdin, George Cochran (1830-1896)

No te amo como si fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.

Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.

Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,

sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

- Pablo Neruda -

Todos os dias

Under the Seaside Tree (gouache) - Bricher, Alfred Thompson (1837-1908)

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.

Antigamente acordava sem sensação nenhuma: acordava.

Tenho alegria e pena porque perco o que sonho.

E posso estar na realidade onde está o que sonho.

Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.

Não sei o que hei de ser comigo sozinho.

Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.



- Álvaro de Campos -

David Bowie - Thursdays child



Não sou de ídolos, seria incapaz de ficar horas ao relento para comprar um bilhete para um concerto de um qualquer artista musical (na minha modesta opinião, tais actos/atitudes não passam de criancices... - até ao fim da adolescência, ainda se percebe um bocadinho, mas após entrar na idade adulta...sinceramente, não percebo...).
No entanto, tenho os meus grupos, cantores de música preferidos. David Bowie é, sem sombra de dúvida, um dos meus cantores preferidos. E esta música, embora não seja a minha predilecta, é uma das que não me canso de ouvir.
Quem gosta, gosta, quem não gosta...paciência!

Vigílias

Moment Before the Kiss - Rabi Khan

pernoito no interior do corpo desarrumado
o medo invade o penumbroso corredor
descubro uma cintilação de água no estuque
uma cicatriz de cristais e de bolor abre-se
porosa ao contacto dos dedos indica
que não haverá esquecimento ou brisa
para limpar o tempo imemorial da casa

deste simulado sono ficou-lhe o amargo iodo
as madeiras encerradas cobertas de poeira
ervas secas à chuva molhos de rosmaninho
junquilhos bocas-de-lobo silenas trevo
mas nenhuma fuga foi recomeçada
a infância permanece triste onde a abandonei
quase não vive
no entanto ouço-a respirar dentro de mim

agora tudo é muito diferente
recomeço a viver a partir do vazio
da treva dos dias em silêncio
por entre a pele e um feixe de magníficas veias
sinto o pássaro da velhice arrastando as asas
onde desenvolve o calmo voo lunar

enumero cuidadosamente os objectos classifico-os
por tamanhos por texturas por funções
quero deixar tudo arrumado quando a loucura vier
da extremidade aguçada do corpo alado
e o resto for devassado por um estilhaço de asa

então a vida abater-se-á sobre a folha de papel
onde verso a verso
me ilumino e me desgasto

- Al Berto, in O Medo -

Air Supply - GOODBYE

A hegemonia da sombra

Song of the Angels (oil on canvas) - Bouguereau, Adolphe-William (1825-1905)

Trespassa a hegemonia da sombra
e descobrirás o ocluso
coração da luz.
O negro é apenas a cor
onde todas as cores repousam.

Não interrogues o dia
sobre a miríade de tons em que ele se imprime.
Procura a penumbra
e ela responder-te-á
com todo o contraste que lhe está negado.

- Jorge Melícias -

Houve um poema

L' Amour Blesse (oil on canvas) Lefebvre, Jules Joseph (1836 - 1911)

Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
Parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
E intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro, e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma ténue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.

-Cecília Meireles -

Adiamento

Theseus Contemplating the Dead Sow Phaea - PACETTI, Vincenzo (1746 - 1820)

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

- Álvaro de Campos -

Pergunta-me

Woman with Parasol - (Maillol, Aristide (French, 1861-1944)

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

- Mia Couto -

Famous Blue Raincoat - Leonard Cohen

Permita que eu feche os meus olhos

Orpheus, oil on canvas - Delville, Jean (Belgian, 1867-1953)

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

- Cecília Meireles -

Houve um poema

The Pink Dress, oil on canvas - Bazille, Frédéric (French, 1841-1870)

Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
Parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
E intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro, e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma ténue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.

- Cecília Meireles -

Como Te Amo?

Adriadne on the Island of Naxos, oil on canvas - Watts, George Frederick (English, 1817-1904)

Como te amo? Deixa-me contar os modos.

Amo-te ao mais fundo, amplo e alto

Minh'alma pode alcançar, além dos limites visíveis

E fins do Ser e da Graça ideal.


Amo-te até ao nível das mais diárias

E ínfimas necessidades, à luz do sol e das velas.

Amo-te com liberdade, como os homens buscam por Justiça;

Amo-te com pureza, como voltam das Preces.


Amo-te com a paixão posta em uso

Nas minhas velhas mágoas e com a fé da minha infância.

Amo-te com um amor que me parecia perdido


Com meus Santos perdidos - amo-te com o fôlego,

Sorrisos, lágrimas, de toda a minha vida! - e, se Deus quiser,

Amar-te-ei melhor depois da morte.


- Elizabeth Barrett Browning -

O VENTO NA ILHA

Sylvan Dell (Reverie) oil on canvas - Miller, Richard Emil (American, 1875-1943)

O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.

Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos
por esta noite apenas
descansarei, meu amor.

- Pablo Neruda -

Simon's Cat 'TV Dinner'

Canção desesperada

The Wait - oil on canvas - Béraud, Jean (French, 1848-1935)

Aparece tua recordação na noite em que estou.
O rio reúne com o mar seu lamento obstinado.

Abandonado como o impulso das auroras.
É a hora de partir, oh abandonado!

Sobre meu coração chovem frias corolas.
Oh sentina de escombros, feroz cova de náufragos!

Em ti se ajuntaram as guerras e os vôos.
De ti alcançaram as asas dos pássaros o canto.

Tudo que o bebeste, como a distância.
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!

Era a alegre hora do assalto e o beijo.
A hora do estupor que ardia como um faro.

Ansiedade de piloto, fúria de um búzio cego
turgida embriaguez de amor, Tudo em ti foi naufrágio!

Na infância de névoa minha alma alada e ferida.
Descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!

Tu sentis-te a dor e te agarraste ao desejo.
Caiu-te uma tristeza, Tudo em ti foi naufrágio!

Fiz retroceder a muralha de sombra.
andei mais adiante do desejo e do acto.

Oh carne, carne minha, mulher que amei e perdi,
e em ti nesta hora húmida, evoco e faço o canto.

Como um vaso guardando a infinita ternura,
e o infinito olvido te quebrou como a um vaso.

Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher do amor, me acolheram os seus braços.

Era a sede e a fome, e tu foste a fruta.
Era o duelo e as ruínas, e tu foste o milagre.

Ah mulher, não sei como pudeste conter-me
na terra de tua alma, e na cruz de teus braços!

Meu desejo por ti foi o mais terrível e curto,
o mais revolto e ébrio, o mais tirante e ávido.

Cemitério de beijos,existe fogo em tuas tumbas,
e os racimos ainda ardem picotados pelos pássaros.

Oh a boca mordida, oh os beijados membros,
oh os famintos dentes, oh os corpos traçados.

Oh a cópula louca da esperança e esforço
em que nos ajuntamos e nos desesperamos.

E a ternura, leve como a água e a farinha.
E a palavra apenas começada nos lábios.

Esse foi meu destino e nele navegou o meu anseio,
e nele caiu meu anseio, Tudo em ti foi naufrágio!

Oh imundice dos escombros, que em ti tudo caía,
que a dor não exprimia, que ondas não te afogaram.

De tombo em tombo inda chamas-te e cantas-te
de pé como um marinheiro na proa de um barco.

Ainda floriste em cantos, ainda rompeste nas
correntes.
Oh sentina dos escombros, poço aberto e amargo.

Pálido búzio cego, desventurado desgraçado,
descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!

É a hora de partir, a dura e fria hora
que a noite sujeita a todos seus horários.

O cinturão ruidoso do mar da cidade da costa.
Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros.

Abandonado como o impulso das auroras.
Somente a sombra tremula se retorce em minhas mãos.

Ah mais além de tudo. Ah mais além de tudo.
É a hora de partir. Oh abandonado!

- Pablo Neruda -
The Death of Chatterton - Wallis, Henry (1830-1916)

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.


-Alberto Caeiro-

BLUE

Love will tear us apart

Vem ver-me antes que eu morra de amor

Woman in White, pastel on paper - Jones, Francis Coates (1857-1932)

Vem ver-me antes que eu morra de amor - o sangue
arrefece dentro do meu corpo e as rosas desbotam
nas minhas mãos. Da minha cama ouço a tempestade
nos continentes; e já quis partir, deixar que o vento
levasse a minha mala por aí; fiz planos de correr mundo
para te esquecer - mas nunca abria a porta.

Vem ver-me enquanto não morro, mas vem de noite -
a luz sublinha a agonia de um rosto e quero que me recordes
como eu podia ter sido. Da minha cama vejo o sol
tatuar as costas do meu país; e já sonhei que o perseguia,
que desenhava o teu nome no veludo da areia e sentia
a vida a pulsar nessa palavra como um músculo tenso
escondido sob a pele - mas depois acordava e não ia.

Vem ver-me antes que morra, mas vem depressa -
os livros resvalam-me do colo e o bolor avança
sobre a roupa. Da minha cama sinto o perfume das folhas
tombadas nos caminhos. O outono chegou. E o quarto
ficou tão frio de repente. E tu sem vires. Agora
quero deitar-me no tapete de musgo do jardim e ouvir
bater o coração da terra no meu peito. Os vermes
alimentam-se dos sonhos de quem morre. E tu não vens.

- Maria do Rosário Pedreira -
"Quão pacífica seria a vida sem o amor. Quão segura. Quão tranquila. E quão monótona."

- Umberto Eco -
Lady in an Evening Dress - Perry, Lilla Calbot (1848-1933)


Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.

Não te perdi
No que sou eu,
Só nunca mais, ó flor, te vi
Onde não sou senão a terra e o céu.

- Fernando Pessoa -
The Bluidie Tryst - Paton, Sir Joseph Noel (1824-1901)

Pudesse eu personificar e aflorar agora
O que me é mais profundo, pudesse eu liberar
Meus pensamentos em expressão, e assim lançar
Alma, coração, mente, paixões, sentimentos, fortes ou fracos,
Tudo o que teria buscado e tudo o que busco,
Encerro, sei, sinto, e ainda respiro, numa só palavra,
E a palavra fosse luz, eu falaria.
Mas, como é, vivo e morro inaudível,
Como um pensamento mudo, embainhando-o como uma espada

- Lord Byron -

Se eu pudesse não ter o ser que tenho

Isabella and the Pot of Basil - Alexander, John White (1865-1915)

Se eu pudesse não ter o ser que tenho
Seria feliz aqui...
Que grande sonho
Ser quem não sabe quem é e sorri!

Mas eu sou estranho
Se em sonho me vi
Tal qual no tamanho
O que nunca vi...

-Fernando Pessoa -

Soneto 134

Cupid Chastised - Manfredi, Bartolomeo (approx. 1580-1621)

A paz não tenho, e sem ter motivo vou à guerra:
e temo, e espero, e ardo em fogo, e sou de gelo,
e quero subir ao céu e caio em terra,
e nada abraço e o universo ando a contê-lo.


Tal é minha prisão, que não se abre, e não se encerra:
prende-me o coração, mas sem prendê-lo,
não me dá vida ou morte, Amor, e erra
minha alma sob o enorme pesadelo.


Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
e quero morrer, e a morte me apavora.


Nutrindo-me da dor, chorando eu rio:
igualmente não me importam a morte e vida:
eis o estado em que me encontro, Senhora, por vós.

- Francesco Petrarca -

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